JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA

Há situações que não podem escapar aos olhos. Não é segredo para ninguém que o Poder Judiciário, por diversos fatores, não possui condições de julgar, com a qualidade que se lhe exige, o imensurável acervo de processos em trâmite no Brasil. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 2015 tramitavam no país cento e três milhões de processos judiciais, um gigantesco estoque de arquivos que repousa sobre os ombros de pouco mais de dezessete mil juízes e duzentos e oitenta e cinco mil servidores.

 

Evidente é que os novos casos são fatos sociais naturais. Culpar o cidadão (e seu advogado) por buscar seus direitos não explica a complexidade do problema da Justiça brasileira. A cada dia, com crescimento econômico ou com crise, surgem novas relações de consumo, novos direitos sociais, crimes etc., e todo conflito de interesses desagua na Justiça, local adequado para solucionar as dúvidas e dilemas de uma sociedade democrática.

 

O que se colhe deste contexto, infelizmente, é que apesar das 1.636 decisões prolatadas por cada Juiz a cada ano, o Judiciário não é capaz de enfrentar com qualidade os litígios e, para manter minimamente lubrificada a pesada engrenagem de sua atuação, deflagrou mecanismos e obstáculos que impedem que o acesso à justiça se dê com a segurança que do Judiciário se espera: é a jurisprudência defensiva.

 

A jurisprudência defensiva consiste, grosso modo, em um conjunto de entendimentos – na maioria das vezes sem amparo legal – destinados a obstaculizar o exame do mérito das ações e de seus recursos, quer no processo civil como no processo do trabalho, em virtude da rigidez excessiva quanto a aspectos formalistas. A letra, no âmbito processual, efetivamente mata (cf. 2Cor 3,6), e justamente porque, ao contrário do que apregoam os mestres juristas, entre o direito e a forma, para evitar o crescimento de processos em andamento, o Judiciário prefere a forma.

 

É cada vez mais comum a extinção de ações porque não observados pormenores formais da relação jurídica que se quer inaugurar, ou a não admissão de recursos porque uma formalidade totalmente preterível não foi observada, como acrescentar na guia de pagamento das custas do recurso a identificação da Vara de origem em desconformidade com circulares e provimentos sem repercussão, por exemplo. Não deveria ser assim.

 

Mas, como essa é uma enfadonha realidade da rotina forense, chamar a jurisprudência de “defensiva” não é mero recurso de retórica: a jurisprudência é, sim, defensiva, porque defende os Tribunais de ações e recursos legítimos e íntegros para alcançarem seus fins. É, sim, defensiva, porque constrói com formalidades empecilhos para que se distribua justiça às partes, para que os recursos sejam analisados com exatidão e com a extenuação das matérias de fato e de direito em cotejo.

 

O novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 – vem mudar este contexto. São vários os dispositivos legais que permitem a tramitação de ações e recursos ainda que inobservadas formalidades de representação processual (art. 76, §2º), tempestividade (art. 218, §4º), equívoco no preenchimento de guias (art. 1.020, §2º) e exigência de prequestionamento (art. 1.038), aproveitamento de recursos (arts. 1.045 e 1.046), dentre outras.

 

São essas, é bem verdade, providências pequenas e quiçá insuficientes para debelar o mal da morosidade na justiça brasileira – cujas verdadeiras causas vão muito além de uma simples reforma processual -, mas há que se reconhecer que são propostas importantes e positivas para que, de fato, o Judiciário contribua para que o país encontre ordem e progresso, distribuindo justiça com lisura e idoneidade.

 

– Diego Meneguelli Dias,  Advogado graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2012)

 

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